Água: Direito Humano básico

lan Lustosa – Assessor da Cáritas Regional Nordeste 3
20/03/2015

Arte: Iasmin Santana

A importância da água para a existência de vidas na Terra não se discute. O que se pauta é como esse bem natural está sendo utilizado nas mais diversas atividades humanas. Pela urgência que se tem em assegurar, diariamente, a água como direito humano básico, a Organização das Nações Unidas instituiu o dia 22 de março como o Dia Mundial da Água. Esta data foi criada em 1992 para que a cada ano seja feita reflexões e debates sobre a diversidade de temas relacionada à água, este extraordinário bem natural.

De acordo com o relatório “Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil”, de 2013, disponibilizado pela Agência Nacional de Águas – ANA, os recursos hídricos no Brasil apresentam uma condição confortável em termos globais. Em se tratando da distribuição da água para a população brasileira percebe-se que há uma desigualdade dos recursos hídricos no território brasileiro, sendo que a maior parte desses recursos, visivelmente, concentra-se na região amazônica.

Considerado como a “caixa d’água do Brasil”, o bioma cerrado, rico em biodiversidade, contribui para 8 das 12 regiões hidrográficas brasileiras, a saber: Amazônica, Tocantins-Araguaia, Atlântico Nordeste Ocidental, Parnaíba, Atlântico Nordeste Oriental, São Francisco, Atlântico Leste, Atlântico Sudeste, Paraná, Paraguai, Uruguai e Atlântico Sul. Nessa região o modelo de desenvolvimento adotado privilegia os latifundiários e as políticas são voltadas para o estímulo do desenvolvimento do hidro e agronegócio, uma prática danosa que agride diariamente as riquezas naturais.

Vários fatores ajudam a compreender porque nos últimos 40 anos ocorreu a exploração do cerrado, reconhecendo-o como fronteira agrícola brasileira. O Estado brasileiro tutela e estimula essa ação com financiamentos, cria infraestrutura como rodovias, ferrovias, porto e, como se não bastasse, “flexibiliza” a legislação ambiental proporcionando o avanço do desmatamento que incide cada vez mais sobre o cerrado. O impacto dessas ações sobre o meio ambiente é danoso, provocando a morte de diversos rios, riachos e nascentes e, como consequência, causa o êxodo e expulsa populações que há décadas viviam harmoniosamente em suas comunidades.

As experiências desenvolvidas pela ASA utilizam metodologias simples, acessíveis e com eficácia tecnicamente comprovada | Foto: Bruno Spada / Arquivo Asacom

Oposto a esse modelo devastador, as experiências de captação, manejo e utilização de água da chuva para consumo humano e produção de alimentos têm mostrado que, desde 1999, a luta para o acesso à água como direito humano básico necessita ser urgentemente efetivado para que a população, em especial agricultores e agricultoras do semiárido, possa gozar do estado do bem viver.

Essas experiências desenvolvidas pela ASA (Articulação Semiárido Brasileiro), rede composta por um conjunto de organizações, dentre elas a Cáritas Regional Nordeste 3 – Bahia e Sergipe, juntamente com famílias de milhares de comunidades do semiárido brasileiro, em uma extensão de 969.589km², que inclui os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, parte da Paraíba e Pernambuco, sudeste do Piauí, parte de Alagoas e Sergipe, região central da Bahia e uma faixa que se estende do norte de Minas Gerais acompanhando o Rio São Francisco, utilizam metodologias simples, acessíveis e com eficácia tecnicamente comprovada.

As tecnologias sociais de captação e armazenamento de água têm sido elemento fundante para debater junto às famílias dessas regiões o direito à água, utilizando diversas metodologias como intercâmbios, capacitações em gerenciamento de recursos hídricos e Sistema Simplificado de Manejo de Água para a Produção (SISMA), entre outras metodologias de formação. Barragem subterrânea, barraginha, tanque de pedra, barreiro trincheira, cisternas calçadão, cisterna de enxurrada, cisternas de 16 e 52 mil litros de água são mais que reservatórios, são instrumentos pedagógicos, pois oferecem condições que levam jovens, mulheres e homens pelos caminhos do conhecimento, incentivando-os a interagir, tornando-os autônomos de modo que possam conviver no semiárido.

No Sertão do Araripe (PE), a família de Vilmar Lermen possa para foto na cisterna de 52 mil litros que armazena água para produção de alimentos e criação animal | Foto: Arquivo Asacom

No momento em que a ausência de água na região sudeste é pautada nacionalmente como problema no Brasil, as organizações que integram a ASA, ao longo dos últimos 15 anos, têm feito junto às famílias a gestão das águas captadas e armazenadas através do P1+2 – Programa Uma Terra e Duas Águas. Os números são animadores: 83.868 tecnologias instaladas, entre barragens subterrâneas, barriguinhas, barreiro-trincheira, cisterna calçadão, cisterna de enxurrada, cisterna escolar (com capacidade de armazenar 52 mil litros) e tanque de pedra/caldeirão. Por meio do Programa Um Milhão de Cisternas, soma-se, até agora, 571.293 unidades com capacidade de armazenamento de 16, 30 e 52 mil litros de água. Além desses números existem impactos positivos na economia local dos municípios envolvidos na ação do conjunto da articulação, como a utilização da mão de obra local e comercialização de diversos materiais usados na edificação das cisternas e demais tecnologias sociais.

Pensar a água como direito humano passa por negar a lógica de setores privados que visam apenas lucros em detrimento das necessidades humanas. Na região semiárida brasileira registra-se que milhares de crianças e adolescentes ainda não têm acesso à educação pelo fato da inexistência de água nas escolas, principalmente em comunidades rurais.

As ações da Cáritas Regional Nordeste 3 têm uma dimensão que ultrapassam as construções das tecnologias de captação e armazenamento de água. Existe uma grandeza, uma mística, que é a despertar vontades e provocar sentidos. Despertar o poder local, famílias e comunidades para que de fato entendam que o acesso à água é um direito fundante e sem ela não há liberdade e nem vidas. A Cáritas assume para si a dimensão do direito e sempre teve no seu projeto politico a concepção dos direitos humanos, entendendo que isso passa pelo direito a terra, à saúde, à cultura, ao trabalho, à moradia, à água… Há urgência em olhar para as realidades de pessoas que ainda não têm acesso à água de qualidade e em quantidade.

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