Por Gerson Teixeira, da ABRA
De acordo com o IBGE a inflação dos alimentos desacelerou nos meses de junho e julho, ficando abaixo do IPCA Geral. Após o forte incremento do IPCA dos alimentos em março, mantido em alta nos meses de abril e maio, sem dúvidas foi uma grande notícia notadamente para as populações economicamente pobres. No entanto, a expectativa é de continuidade da considerável volatilidade dos preços desses produtos, um dos principais fatores de pressão sobre o processo de resistência inflacionária no Brasil. No período de trinta meses até junho (intervalo com os dados analisados para este artigo) somente em onze, o IPCA dos alimentos se manteve abaixo ou em linha com a evolução do IPCA Geral. Em junho a inflação dos “alimentos no domicílio‟ foi responsável por 16.39% do índice geral da inflação. Apenas o grupo “transportes‟ suplantou essa marca ao responder por 18.6%.
A tendência de alta engloba alguns produtos da dieta básica sem nexos com os „mercados internacionalizados‟. Tome-se o exemplo marcante da farinha de mandioca cuja média do peso mensal na inflação, de janeiro a junho de 2014 (0,217%) foi 99% maior que a média em igual período de 2012 (0,109%). O fato sugere a inutilidade, neste caso, da estratégia de combate à inflação centrada na elevação da Selic.
Adotando uma amostragem com as farinhas de trigo e de mandioca, o arroz, o feijão preto, e o grupo das hortaliças e verduras, tem-se que no mencionado período dos trinta meses os pesos dos preços desses alimentos básicos no IPCA Geral cresceram a taxas anuais, respectivamente, de 0.73%; 1,73%; 0.52%; 1.67%; e 1,12%.
Esse quadro revela insuficiências e riscos na oferta de alguns alimentos da cesta básica no Brasil, o que alimenta a inflação e enfraquece a segurança alimentar no país. Desde logo, diga-se que o discurso da sazonalidade tem a validade do subterfúgio. Vejamos alguns exemplos a começar pelo caso do trigo, cujas importações equivaleram, na média dos anos recentes, a mais de 60% do consumo nacional. Após tangenciar a autossuficiência na segunda metade da década de 1980, desde então, deu-se a adesão brasileira ao fetiche neoliberal da análise marginalista para responsabilizar a oferta externa pelo abastecimento interno de um alimento absolutamente estratégico. Atualmente, a despeito da „safra record‟ estimada, o Brasil é o segundo maior importador mundial de trigo. Em 2013, importamos US$ 2.5 bilhões (7.7 milhões t) perdendo apenas para o Egito. Contudo, na relação importação/consumo suplantamos o Egito que importa „apenas‟ 50% do consumo. No ano de 2012, os recursos aplicados pelo crédito rural no custeio da cultura, incluindo o Pronaf, alcançaram R$ 1.5 bi, ou seja, 3.7 vezes menos que os gastos com as importações de trigo. A dependência do trigo argentino (37% das importações) coloca o Brasil refém daquele país em outros temas do Mercosul. Em tempos de tantas incertezas e volatilidades seriam esperadas diretrizes contra tal nível de dependência, até porque, um eventual comprometimento na oferta internacional de trigo geraria no Brasil ambiente de crise política com consequências imponderáveis. A propósito, por que não foi viabilizado o „pão brasileiro‟ já desenvolvido e testado pela Embrapa?
A situação do nosso tradicional „feijão com arroz‟ da mesma forma preocupa. Desde a safra 2002/2003 até a safra 2012/13, a produção interna de feijão evoluiu à taxa média anual de -1.2%. Com isso, em 2013 o Brasil foi obrigado a „garimpar‟ num escasso mercado internacional compras de 300 mil toneladas de feijão, em boa parte, xing ling.
Quanto ao arroz, com a produção cada vez mais concentrada no Rio Grande do Sul (66%) as importações em 2013 totalizaram US$ 360 milhões (1 milhão t), valor 72% maior que a média das importações da década de 2000. De acordo com as projeções do Departamento de Agricultura dos EUA na safra 2022/2023 a produção brasileira de arroz será de 8.6 milhões de toneladas, ou seja, bem abaixo dos níveis atuais.
Já a produção de mandioca oscila em estreita banda desde 1990, sendo que na série de 2003 a 2012 a taxa média de crescimento anual da produção foi de 0%. Daí a trajetória dos preços da farinha.
Um indicador das dificuldades da oferta alimentar tem sido o movimento observado, em escala ainda não aferida, de abandono da produção desses produtos por parte dos seus principais protagonistas, os agricultores familiares. Segundo o Banco Central, de 2003 para 2012, a queda no número de contratos de custeio pelo Pronaf, para as culturas do arroz, feijão e mandioca, foram, respectivamente, de 74%, 80% e 64%.
Compondo o cenário acima, inclua-se o agravante do quadro da oferta por não dispormos de política de estoques reguladores de alimentos; muito menos, de estratégicos. Admitindo a falha e reconhecendo a sua dimensão estratégica, em fevereiro de 2013 o tema foi guindado para o núcleo do governo que criou o Conselho Interministerial de estoques públicos de alimentos. Não se tem notícias sobre os trabalhos do Conselho. A propósito, com estoques a sazonalidade perderia substância para a explicação da inflação dos alimentos. E, para o caso das hortaliças, há muito poderia vigorar incentivos aos cultivos abrigados.
Enfim, a questão que aflora desse quadro: por que inflação de alimentos e debilidade da segurança alimentar se, como dizem, o agronegócio vem „bombando‟ na produção de alimentos? A resposta fundamental está nos efeitos da opção política pela projeção da economia brasileira na globalização via a revalidação e aprofundamento da tradição primário- exportadora do país, nas circunstâncias contemporâneas de hegemonia do capital financeiro.
Fruto da radicalidade dessa estratégia que almeja o Brasil como o “fazendão do mundo‟ para um restrito grupo de commodities se estabeleceu contexto de amplas permissividades territoriais e subvenções públicas para os capitais do agronegócio. Isto, para a geração de “supersafras” de grãos constituídas em 86% por soja e milho, dos quais, respectivamente
70% e 35% destinados ao mercado externo. “Exportar matéria prima para ração é o que importa o pão”! E os brasileiros que se preparem para mais carestia, pois, para amenizar as consequências internas do revide russo às sanções recebidas com o contencioso em torno do caso do avião da Malaysia Airlines o governo daquele país habilitou para vendas à Rússia, dezenas de estabelecimentos brasileiros de carnes e até lácteos, até então impedidos dessa operação por razões sanitárias!
(*) Gerson Teixeira é presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA